Rock de Brasília, político e existencial
O rock de Brasília começa a conquistar o seu espaço, com uma proposta que, já de início, o destaca da grande maioria dos grupos do eixo Rio-São Paulo. Isto é o que se confirma a partir do albun de estreia do quarteto Legião Urbana 9lançamento EMI-Odeon, produzido por José Emílio Rondeau), com um som cru e direto, próximo do rock pós-punk britânico. As plateias roqueiras que já conheciam o Legião Urbana atraves do sucesso de "Química", gravado pelo Paralamas do Sucesso, ou de suas apresentações ao vivo, podem agora comprovar a força do grupo também nos estudios. Ao contrário das produções que vem podando muito da identidade do rock-tupiniquim, este disco consegue captar e transmitir a essencia da banda do Planalto Central. Se o som traz a forte influencia do rock inglês, e do melhor, por sinal, nas suas letras o Legião Urbana traça um contundente perfil da juventude que cresceu sob a sombra do regime de 64. É o que se comprova na canção "Geração Coca-Cola", um dos destaques do album: "Quando nascemos fomos programados/A receber o que vocês nos empurraram/com os enlatados dos U.S.A., das 9 às 6/(...)/Somos os filhos da revolução/Somos burgueses sem religião/Nós somos o futuro da nação/Geração Coca-Cola" (Renato Russo).
Eles, no entanto, não ficam apenas no registro dos pesadelos de sua geração. Musicalmente, o grupo mostra que o rock tupiniquim ainda vai aprontar muita coisa. O guitarrista Dado Villa-Lobos aparece como uma das revelações no instrumento, com um toque ao mesmo tempo melódico, economico e supereficiente-confiram os sons de "O Reggae" ou "Baader-Meinhof Blues". A cozinha-Renato Rocha (baixo) e Marcelo Bonfá (bateria e percussão)-também não fica atrás, sem deixar cair o ritmo, injeta vigor aos vôos do grupo.Mas a figura central, e decisiva para personalidade do legião Urbana, é Renato Russo (vocal, letras,teclados e violão). Sua voz, empostada e forte, difere de tudo que rola no nosso rock e, num primeiro momento, lembra o velho jovem guardista Jerry Adriani. Felizmente o paralelo com a Jovem Guarda não vai além disso. Suas letras beiram em muitos momentos o niilismo, em outros investem contra o sistema opressivo, mas ele não abre mão também de uma autocritica de sua geração. "A Dança", por exemplo, onde questiona a juventude: "Você é tão moderno/Se acha tão moderno/Mas é igual a seus pais/É só questão de idade/Passando dessa fase/Tanto fez e tanto faz". Jé em "O Reggae", uma contudente crítica da sociedade: "Ainda me lembro aos tres anos de idade/O meu primeiro contato com as grades/O meu primeiro dia na escola/Como senti vontade de ir embora...".
Radicais, coerentes, os rapazes do Legião Urbana abrem uma nova frente para o rock brasileiro, a das posturas politica e existencial. Nem tudo é alienação no mundo do show biz, como pode ser comprovado nesse retrato da juventude, filha da revolução.
Antônio Carlos Miguel
